24 de Agosto
O dia em que “mataram” o presidente
O atentado da rua Toneleros lançou muitas suspeitas sobre o presidente, especialmente a partir do momento em que ficou evidenciada a participação de um de seus principais assessores (Gregório Fortunato) no acontecimento que quase vitimou Carlos Lacerda, um dos principais opositores de Getúlio.
Entretanto seus problemas não haviam surgido com a suposta ordem que teria dado para Gregório Fortunato atacar Carlos Lacerda. Os posicionamentos políticos de Vargas, marcadamente nacionalistas encontravam forte resistência entre setores da burguesia nacional e internacional favoráveis a uma maior abertura aos investimentos do capital estrangeiro em nosso país, especialmente os originados dos Estados Unidos.
Essa resistência havia tornado o segundo mandato de Getúlio muito conturbado e difícil, com forte tendência oposicionista por parte do congresso nacional e de alguns governadores estaduais. Projetos de caráter nacionalista eram constantemente bloqueados no Senado ou na Câmara dos Deputados.
“Saio da vida para entrar na história” foi a resposta encontrada por Vargas para conseguir reverter todo o desgaste que havia sofrido ao longo de seu segundo período presidencial (Getúlio já havia governado o país entre 1930 e 1945, inicialmente como líder do governo ‘revolucionário’ que desmontou a república oligárquica dos barões do café e, posteriormente prorrogando seu mandato com o golpe do Estado Novo em 1937 e estabelecendo um período de governo ditatorial).
Getúlio se despedia dos brasileiros deixando como legado uma herança política
de cunho populista e um modelo político nacionalista que serviriam de base
para a atuação de outros líderes nacionais como Brizola ou João Goulart.
Esse último e dramático ato da cena getulista tinha como intenção desestruturar a forte campanha anti-nacionalista desencadeada pela oposição liderada pela UDN (União Democrática Nacional) comandada por Lacerda e associada aos interesses do capital internacional.
O forte impacto do suicídio de Vargas reverteu o processo de difamação instado pela opinião pública favorável a Lacerda e a UDN. A morte do presidente foi um ato político calculado para consolidar o legado do nacionalismo populista de Vargas no cenário nacional.
O desgaste do Corvo (como passou a ser conhecido Lacerda depois da morte de Getúlio) e do internacionalismo na política brasileira só seriam revertidos na década de 1960 com o estabelecimento dos governos militares, francamente favoráveis à abertura econômica e aos empréstimos internacionais.
A herança de Vargas foi preciosa e continuou presente na história. As leis trabalhistas e a composição de um rico e consistente parque industrial com empresas como a Petrobrás, a Vale do Rio Doce e a Companhia Siderúrgica Nacional permitiram ao Brasil superar a sua vocação de eterno produtor de gêneros agrícolas como o açúcar e o café.
Sua impressionante e variada gama de artifícios políticos contribuiu para o enriquecimento do folclore e também da cultura política brasileira com o estabelecimento do populismo e do nacionalismo.
Seus herdeiros políticos mais proeminentes foram João Goulart que se tornou presidente com a renúncia de Jânio Quadros em 1961 e acabou sendo tirado do poder com o golpe militar de Abril de 1964 e Leonel de Moura Brizola, que foi governador do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro, tornando-se uma referência da oposição política nacional nos anos 1960 e depois de seu retorno do exílio, a partir de 1980 até seu falecimento em 2004.
Político contraditório, Vargas acabou se tornando a mais importante e representativa figura
do cenário político nacional ao longo do século XX. Suas contribuições (como as leis trabalhistas ou
a constituição do parque industrial brasileiro de base) alicerçaram o país e estão sendo desmontadas
pelos últimos governos do país, de caráter neoliberal.
As discussões sobre Vargas nos levam a pensar que seu espólio continuou muito vivo mesmo depois de sua morte e que o desmonte de seu acervo de opções tem sido a tônica dos governantes que sucederam os governos militares que comandaram o Brasil até 1984 e que referendaram o governo da transição para a democracia (Tancredo Neves e José Sarney) em 1984.
As eleições de 1989 que levaram Fernando Collor a presidência e a clara opção pelo neo-liberalismo por esse governante e por aqueles que o sucederam (Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva) sepultaram o projeto nacionalista e admitiram a entrada franca e cada vez mais influente de investimentos estrangeiros em terras brasileiras.
Pressionados pelo fenômeno da globalização, os presidentes eleitos pelo voto popular depois de 1989 tiveram que adaptar a economia nacional aos novos tempos e aceleraram os projetos de privatização. A Companhia Siderúrgica Nacional e a Companhia Vale do Rio Doce, símbolos da era Vargas foram leiloadas e suas vendas consolidaram a derrocada do projeto getulista.
É verdade que Getúlio foi um político controverso. Ao mesmo tempo em que se colocava como o “pai dos pobres” e implementava as leis trabalhistas ou o projeto de modernização da economia nacional nos anos 1930, Vargas articulou e executou a perseguição dura aos opositores de seu regime, especialmente aos comunistas liderados por Luís Carlos Prestes (o que acabou ocasionando a prisão de Prestes e sua esposa Olga Benário, que grávida foi enviada pelo governo getulista para os nazistas alemães, onde acabou sendo morta) e forjou o Plano Cohen com o intuito de se manter no poder durante o período que se estendeu de 1937 a 1945.
“Eu vos dei a minha vida. Agora ofereço a minha morte.
Nada temo. Serenamente dou o primeiro passo no caminho
da eternidade e saio da vida para entrar na história”
(trecho da carta testamento de Getúlio Vargas)
A aliança com os norte-americanos fez com que Vargas entrasse em contradição marcada pelo descompasso entre seu apoio as democracias ocidentais em sua luta contra o nazi-fascismo ítalo-germânico e a manutenção de um regime ditatorial no âmbito interno brasileiro. Porém sua habilidade como negociador trouxe tecnologia e mão de obra especializada para o estabelecimento do parque industrial de base em nosso país.
O seu retorno triunfal em 1951, eleito pelo povo, não tinha uma contrapartida eufórica ou tão simpática aos olhos do capital internacional e de seus aliados nacionais.
O seu enterro simbólico aos olhos da oposição já havia sido realizado muito tempo antes, quando de suas opções de caráter francamente nacionalistas. Seus opositores foram seus principais algozes. A arma por ele empunhada e disparada naquele 24 de agosto de 1954 estava sendo disparada pelos oposicionistas a seu governo.
Seu derradeiro ato, marcado pelo prematuro fechamento das cortinas foi aplaudido pelo povo, que se sentiu órfão e foi as ruas para chorar e atirar paus e pedras contra aquele que consideravam responsáveis pela morte do presidente (“pai”) dos pobres, como o corvo Carlos Lacerda.
Os desmaios e lágrimas daqueles que choravam pelas ruas ao saberem da morte do estadista eternizaram Vargas e lançaram suas contribuições a um período de vida maior e mais iluminado enquanto seus opositores sofriam com o fantasma do ex-presidente e amargavam um ostracismo político no limbo do qual jamais sairiam...
Fonte: www.planetaeducacao.com.br